quarta-feira, 24 de março de 2010

Nove e meia, onze, onze e meia, meio-dia e meia...

Nove e meia, onze, onze e meia, meio-dia e meia... são assim os meus dias em Coimbra. Na semana depois da activação os meus pais conseguiram estar os dois comigo em Coimbra. Um tirou uns dias de férias, o outro pôs baixa para assistência à família, ou seja, a mim!... e que  bela assistência que eles me deram...

No fim-de-semana voltámos a Lisboa. Foi um fim-de-semana muito bom, principalmente porque me vieram visitar a ti'Tunning e o tio Tó Zé Barbas. Brincaram comigo o dia todo até à noite. Ao final da tarde o pai foi buscar a Avó Setinha e jantámos todos juntos.
Depois de jantar fomos todos embora, cada um para seu lado, e eu fui com o papá e a mamã para Coimbra... acho eu, que foi assim, porque no outro dia de manhã, quando acordei, já lá estava.

Durante o fim-de-semana não me importei nada com o aparelho, e o meu pai até o passou para o programa três... faz um bocadinho de cócegas, mas não custa nada.

Agora, todas as segundas-feiras, às nove e meia, vou para o trabalho. É assim que lhe chama a minha terapeuta da fala. Eu não gosto! Bom, na realidade, até não me importo. Fico sentado numa cadeira, à volta de uma mesa cheia de brinquedos junto com as minhas colegas Vanessa e Matilde. Daquilo que não gosto é de ver o meu pai e a minha mãe pelas costas... e farto-me de gritar! Sou assim quando não estou de acordo com alguma coisa. Felizmente passa-me depressa, e fico logo bem disposto. Normalmente começo a brincar com a Matilde e esqueço-me....

Nos Covões há uma sala de espera para os meninos. Quando chegamos de manhã ficamos lá todos na brincadeira. Eu sou o único que ainda não anda sózinho. Por isso gosto muito da brincadeira das cadeiras. Cada um de nós empurra uma cadeira pela sala, daquelas pequeninas, e andamos à volta das mesas a fazer uma barulheira. Depois há sempre alguém que volta a arrumar as cadeiras. A Vanessa gosta de alinhar as cadeiras todas... depois anda em pé por cima delas e salta para as cadeiras dos adultos!
Além deste jogo gosto muito de passear pelas salas de espera, pelos elevadores e principalmente gosto de ficar em pé junto às portas de vidro que dão para a rua.

Ficamos na sala até às onze e meia. Fazemos jogos, brincamos e trabalhamos. O trabalho é muito simples. Agarramos num brinquedo, esperamos que nos digam, por exemplo com o sopro do peixe de borracha, e nós colocamos esse brinquedo numa caixa. O objectivo deste jogo é eu aprender a responder primeiro a este estímulo, para mais tarde passar a responder aos sons. Quando eu souber fazer isto vão poder programar o meu implante de forma a eu poder ouvir o melhor possível. Esta é a razão pela qual vim para Coimbra.
Eu sei que este jogo é muito importante, mas detesto que me segurem as mãos.
No final desta segunda semana já andava com o programa quatro ligado, mas cada vez que ia para a sala choro. Não gosto de estar longe da mamã e do papá, e detesto estar ali preso... a única coisa que me diverte é agarrar nas coisas todas que estão em cima da mesa e atirá-las para o chão... é a única oportunidade que tenho de sair da cadeira e de ir para o chão.
Os meus pais estão com um ar preocupado, e isso não me facilita a vida... quando vou para a sala choro ainda mais e eles ficam ainda com um ar mais preocupado.

Também gosto das onze horas. A essa hora saio de novo da minha sala. Às vezes o meu pai vem-me buscar e eu estou a chorar, porque alguém não me fez a vontade, e outras vezes estou bem disposto a brincar. Até às onze e meia ficamos na sala infantil, de novo todos juntos, a arrastar cadeiras, a comer e a trocar os pneus nas boxes (fraldas no fraldário)... no primeiro dia os meus pais distrairam-se e trocaram-me os pneus na sala de brincar. Que porcaria!...

Das onze e meia até ao meio-dia e meia voltamos aos trabalhos, forçados, e eu continuo, coerente, com a minha atitude... chorona, podemos chamar-lhe.
Esta semana deu cabo dos meus pais, não viram os resultados que na cabeça deles queriam ver, e eu andava assim um bocadinho chorão. Mas a semana acabou melhor, e eu passei a chorar só dez minutos de cada vez que ia para a sala e já não me importava de andar com o programa mais alto.

Só não gosto que me ponham de repente o aparelho na cabeça quando já está ligado... faz-me impressão e eu até estremeço, como se estivesse a levar um choque! Mas não faz mal, é mesmo assim, eu é que não estou habituado. Agora os meus pais começam por me colocar o aparelho desligado na cabeça, e só depois o ligam, e num programa muito baixinho, para eu não me assustar.

Foi assim, a primeira semana depois da activação do implante. Estávamos todos muito cansados e eu fui a dormir no carro o caminho todo até Lisboa. Mas o objectivo desta semana estava cumprido. Já não me incomoda ter o implante na cabeça, já aceito o programa mais alto e lá vou aguentando o tempo que estou na sala.
É isto que se pretende na primeira semana. Não me transformei dum dia para o outro, mas dei um primeiro passo no caminho dos sons. E no fim desta semana, os meus pais até querem acreditar numa série de coisas que "vêem"... eu agora estou sempre a cantarolar, "hmmm, hmm, hmmmmm, hmmm" e às vezes pareço reagir a alguns sons mais altos... eu não sei o que são sons, por isso não os percebo muito bem. Vou esforçar-me para os tentar perceber, mas por favor dêem-me tempo, que esta história dos "sons" é muito confusa, e os bébés demoram normalmente seis ou mais meses até os começarem a entender, um bocadinho... eu já sou um rapaz crescido, mas dêem-me mais uma semana ou duas...

Até logo, já vos conto como foi a segunda semana, em que o meu pai veio com a Avó Setinha e comigo para Coimbra, sobre os patos do jardim, e muito mais...

2 comentários:

Sun Melody disse...

Só para te dizer Bininhas, que estou sempre a acompanhar estes teus primeiros passinhos no mundo dos sons.

Tens uma bonita história, de encantar com muita tenacidade, e devagarinho vais aceitando o processador de fala e as tímidas cocegas que chapinham na cabeça vai fazer com que soletres e palres as primeiras palavras.

Pede ao teu papá para continuar sempre assim, registando as tuas aventuras cocleantes de modo a gente estar a par da situação pequeno Bininhas.

Um beijo melodioso com passarinhos a cantar.

Sun

Graciela disse...

Olá Bininhas, prazer em conhecer-te! Eu sou o Lucas, e nasci no dia 28 de Fevereiro de 2010. Neste momento tenho um mês e meio, como podes perceber, e vou contar-te a minha vida até aqui.
Logo no dia em que nasci fizeram-me, lá no Hospital Central do Funchal, um rastreio auditivo. O resultado foi negativo, ou seja, aquela coisa das "otoemissões acústicas" não dizia que eu não ouvia, mas também não dizia que ouvia!... Os meus pais nem tiveram tempo de pensar, pois a sra. examinadora logo disse que eu poderia ter líquido no ouvido, por isso repetiriam no dia seguinte.
E assim foi!
No dia seguinte, lá me fizeram outra vez aquele teste, e o resultado foi o mesmo. Aí os meus pais logo ficaram com uma expressão diferente na cara, olhando um para o outro sem saber o que dizer ou pensar, ainda mais quando os meninos das camas ao lado tinham passado no teste.
Bem, mais uma vez a sra. examinadora disse que eu poderia ter líquido no ouvido e que repetiriam o teste ainda nesse primeiro mês.
Até lá, os meus pais logo foram para a Internet tentar descobrir mil e uma coisas acerca destes testes... Descobriram muita coisa... e ao mesmo tempo foram tentando assustar-me com ruídos fortes. Houve momentos em que acreditaram que eu reagido, especialmente o meu pai. Mas a minha mãe preferia acreditar, perante as evidências, que eu realmente não ouvia. Ela preferia assim... O optimismo dela tinha uma maneira estranha de se revelar: preferia pensar o pior para que, qualquer notícia melhor que viesse, fosse uma conquista!
E lá fui eu, ainda no meu primeiro mês de vida, repetir aquele exame. (E tu, Bininhas, com que idade fizeste o exame pela primeira vez?)
O resultado, para desânimo escondido dos meus pais, foi o mesmo... Continuava sem ouvir...
Desta vez, a minha mãe perguntou logo à sra. examinadora: "Se ele realmente for surdo, quais os passos que se seguem?", ao que ela respondeu: "Não vale a pena pensarem nisso. Temos que repetir 3 vezes este teste. Algumas crianças só passam à terceira vez. Voltam daqui a 3 semanas."
E lá viemos embora para casa... Os meus pais até queriam acreditar que eu ouvia… mas as hipóteses pareciam estar a diminuir… Mas lá vieram para casa, e descobriram na net uma coisa chamada “implante coclear”, que nem sabiam que existia. Deu-lhes alguma esperança, no meio da tristeza da hipótese de ter realmente surdez profunda. Descobriram também a tua história, Bininhas, e têm lido de fio a pavio todos os teus relatos.
Neste momento a ansiedade deles aumenta, pois ainda esta semana vão repetir comigo, pela última vez, aquele teste… É já depois de amanhã! (E tu, repetiste-o muitas vezes?)
Depois conto o que aconteceu.
Um beijinho do amiguinho Lucas.