quinta-feira, 11 de março de 2010

Activação rima com desilusão, ou com trabalho?

Quase tudo o que podiam fazer por mim, já fizeram. Agora, sou eu quem vai decidir o que fazer com este implante que me ofereceram.

Hoje, embora esta semana tenha tido uns dias fantásticos em que os meus pais estiveram quase sempre comigo, sinto-me um bocadinho desiludido com eles. Será que ainda não perceberam que ontem foi apenas o primeiro dia do resto da minha vida?

Ainda assim vou desculpá-los. Talvez tenham visto demasiadas vezes o que desejavam ver, como por exemplo em casos como nestes filmes que abundam no youtube:
A minha activação foi uma desilusão para os meus pais. E a culpa foi toda deles! Até tinham levado a câmara de vídeo para filmar... não filmaram grande coisa! A activação não é "ligar o chip" e começar a ouvir. É o primeiro passo numa caminhada que vai ser longa e com muitas quedas até aprender a andar.

Mas para mim não foi desilusão nenhuma. Até gostei, mas ainda não me habituei completamente àquilo. E "aquilo", a parte de fora do implante coclear, é ligeiramente mais complicado do que as próteses auditivas que eu costumava usar. Mostro-vos a seguir uma imagem que podem encontrar na wikipedia, para verem como é, e prometo que um dia vos mostro o meu.
O meu implante é de uma empresa australiana chamada Cochlear, mas há várias outras empresas a fazer implantes, como a Advanced Bionics. Penso que nos Covões fazem bem em relação à escolha da marca. É necessário formar muitas pessoas para saber usar bem um determinado aparelho e, principalmente nas crianças, o feedback é muito lento. Assim, como são obrigados pelas regras dos concursos públicos a admitir vários fabricantes e fornecedores, usam os implantes de outras marcas nos adultos, para aprenderem, e só considerarão usá-lo em meninos pequeninos quando o conhecerem bem. Na Estefânia disseram-nos que o implante a colocar iria depender do resultado do concurso público. Ouvi dizer que há um movimento de implantados e pais de implantados no sentido de poderem ser os pacientes a escolher o seu implante.

Bom, mas o que eu vos queria mesmo explicar é que, junto com o meu implante, veio um grande koala, muito peludo, e que usa um implante igual ao meu.
O implante é simples assim: um microfone pendurado atrás da orelha, e uma antena na cabeça (como na fotografia da menina de rabo de cavalo). Ah!, actualmente os aparelhos vêm com um comando à  distância (o meu pai teve de fazer aquela piadinha fácil "o Manuel agora tem um comando" e o Dr. Jorge não se ficou atrás "mas atenção que não dá para o desligar"... são uns engraçadinhos!...)


Na peça em que está o microfone está o processador de som e liga-se também a bateria. A antena emissora exterior (aquela rodela que parece presa ao cabelo da menina) é presa à cabeça através de um íman que se prende ao íman que está na antena receptora implantada na cabeça. É essa antena que leva os sinais eléctricos transmitidos por indução magnética até à parte interna do ouvido, mais propriamente à cóclea, onde é estimulado o nervo auditivo (podem ver uma explicação interactiva no site da Cochlear).
No meu caso era aí que estava a causa da minha surdez. No meu e em muitos outros casos, há umas células, as células ciliares, ou ciliadas (hair-cells em inglês) que não funcionam como deviam e, por isso, a cóclea não consegue exercer a sua função de transformação do som em sinais eléctricos que o nervo auditivo faz chegar ao cérebro.
Não me perguntem como é que eu sei estas coisas todas... mas como ninguém me explicava nada tive de recorrer à internet para me informar e tentar perceber o que se passava com os meus ouvidos. Fácil, até um bébé sabe fazer!...

Bom, agora começa a parte que eu não gosto muito de contar. Ontem passei o dia a arrancar tudo da cabeça e atirar para o chão!... sim, é verdade... os meus pais passaram o dia a tentar pôr-me o aparelho e às vezes aquilo dava-me uma sensação esquisita na cabeça... já sei, voltei a portar-me assim-assim... pronto!, portei-me mesmo um bocadinho mal, mas também temos que admitir que me provocaram... o papá e a mamã são muito desajeitados, não percebem nada de como funciona o implante, e têm de me agarrar para conseguir pôr tudo no sítio certo... não há paciência!... depois de jantar eles já estavam com um ar tão cansado, que eu resolvi fazer um esforço e dar-lhes uma trégua. Eles também acabaram por perceber que não é à força que nos entendemos melhor e começaram a usar em mim toda a psicologia infantil de que se lembraram... foi vê-los a dançar, girar, fazer todo o tipo de macacadas, colocar neles próprios o aparelho... um pagode, como eles costumam dizer...  No fim do dia os papás decidiram que iam usar um dos acessórios que vêm com o implante para prender os aparelhos à minha roupa. Vamos ver se não atiro tantas vezes por dia uma dezena de milhar de euros ao chão!...

Hoje já foi tudo muito mais calmo... não sei se terá sido das emoções de ontem, ou por ter passado uma hora  acordado durante a noite a dar umas bofetadas amigáveis na mamã, mas hoje de manhã fiz uma coisa inédita!... dormi até às 9 da manhã e só me levantei quando me acordaram... e logo no primeiro dia de terapia nos Covões. Quase que chegava atrasado.
A minha terapeuta chama-se Marisa e é muito simpática. Na minha sala estão mais três meninos. O Joaquim fez hoje o seu último dia de terapia. É um menino cigano um bocadinho mais velho, penso que terá cerca de 5 anos. Já sabe responder pelo nome, parece que tem feito muitos progressos. Alguém comentou que o pai dele, que é quem o acompanha em Coimbra, disse um dia: "nenhum dos meus filhos há de ser surdo" e foi com ele para Coimbra. Boa sorte Joaquim, pode ser que nos encontremos por aí um dia.
Há também duas meninas, a Vanessa e a Matilde. Uma está já no início do terceiro mês de terapia, e a outra, depois de já ter estado 3 meses em terapia, teve de vir fazer mais um mês para que tentem tirar melhores conclusões sobre os seus progressos. Não tarda nada volta para Oliveira de Azemeis. A outra menina tem um irmão que também foi implantado. Têm os dois uma mancha branca no cabelo, o que penso que revela uma surdez de origem genética associada a uma situação de que nos falou o geneticista na consulta que fizemos na Estefânia. No meu caso ainda não sei porque sou surdo, mas isso não é muito importante...

A terapia passa-se todos os dias das 9:30 às 12:30, com um intervalo para descansar e para estar com os papás. Eu também aproveito o intervalo para comer qualquer coisinha, saibam que não desperdiço uma oportunidade, e para mudar a fraldinha.
No início o fundamental é tentar esquecer-me que tenho o aparelho na cabeça. Tenho tentado mas, dizem que é do meu mau feitio, sempre que me chateiam, lá vai o meu braço arrancar tudo do sítio. É um reflexo!... Nesta fase há uma série de intensidades do aparelho (que por lá chamam normalmente programas) pelas quais irei passando progressivamente, para me ir habituando. Quando conseguir usar o 4º programa, já estarei a usar a máxima intensidade. Nas próximas semanas, se usar o aparelho mesmo sem estar ligado já será entendido como bom.
Na sala de terapia, o programa é bastante simples. Estamos à volta de uma mesa, sentados numas cadeirinhas muito confortáveis, e fazem-nos o que fizeram aos cães do Pavlov: condicionam-nos. Ou seja, ensinam-nos um jogo em que vamos reconhecer os sons. Quando reconhecemos os sons pomos um brinquedo numa caixinha. Com este trabalho, conseguimos transmitir uma informação fundamental para as terapeutas poderem ir dando informação que permita adaptar o nosso implante às nossas capacidades de compreensão dos sons.

Agora estou a dormir, a minha mãe também e o meu pai devia ir. Amanhã vamos continuar esta aventura. Talvez amanhã já não me importe com o 2º programa. Hoje quando tentaram ligá-lo eu não achei muita piada e fartei-me de chorar, porque eles não percebem outro tipo de linguagem. À noite já estive com o programa 2 um bocadinho ligado, mas só porque o fizeram à socapa. Mas o aparelho voltou a fazer aquelas cócegas esquisitas na cabeça e eu lá tive de os chamar de novo à razão... à minha maneira. Amanhã é outro dia.

3 comentários:

imisal@hotmail.com disse...

Boa, Bininhas!!! Novo penteado, aparelho, activação, koala!! Tantas novidades!
Estás a entrar no mundo dos sons, em força!!
Beijinhos para ti e para os teus papás!,
Inês

Sun Melody disse...

Finalmenteeeeeeeeeee Bininhas! Agora já posso escrever-te, que bonitas novidades!!!

E que activação! Que lindo boneco do koala! Tens o novo aparelho, e com telecomando à distância! Uau, hoje já vais aceitar melhor os sons, claro que ontem foi um dia de expectativas, como se diz a canção: Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida!

Vou visitar-te diariamente, e em Abril vou estar em Coimbra, pode ser que nos conhecemos lá Bininhas, basta dizeres ao teu papá para a gente combinar uma saída made in Hospital dos Covões na comemoração do 1º implantado em Portugal.

Agora vais aprendendo ouvir, por isso, conta comigo, com os teus pais e mais os teus colegas cocleantes nesta nova e emocionante caminhada :)

Sucesso pequeno Cyborg!

Beijos da
Sun :)

Sun Melody disse...

Bininhas,

Aspiro por novidades tuas, os teus progressos, os teus sorrisos perante vários sons.

:)

Bom fim de semana SONORO!
Sun